A erncarnação do Leviatã

Este estudo constata que na estrutura da Igreja Adventista do 7º Dia não aconteceu a encarnação do Evangelho, mas a encarnação do Leviatã, a forma monstruosa do poder político. Organizou-se como um Estado moderno, o que a Igreja não é.

22/11/2012

CONTEÚDO

Acceder a la traducción para el español: El Leviatán Adventista

Este ensaio mostra que a forma de governo da Igreja Adventista do Sétimo Dia é uma burocracia representativa. O estudo desse caso ajuda a entender como as igrejas cristãs se organizam nos tempos contemporâneos: a maioria se organiza de acordo com modelos oferecidos pela sociedade civil; têm a tendência de copiar as formas de governo e de chefia mais admiradas no mundo civil; adotam métodos e técnicas modernas de administração para alcançar seus objetivos; experimentam um crescente processo de burocratização dos serviços administrativos, dando-lhes quase uma função autônoma; centralizam e profissionalizam a administração e se aproximam cada vez mais das estruturas do Estado contemporâneo e das grandes corporações mercantilistas. O estudo revela que nenhuma outra organização religiosa foi tão longe por esse caminho como a Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Leviatã, o gigante coroado

Prefácio e Introdução 
Existe uma diferença entre o que os adventistas do sétimo dia afirmam oficialmente ser a sua forma de governo eclesiástico e o que ela é de fato.







Thomas Hobbes
 1 - Descrição do Monstro
O título da maior obra de Hobbes reporta-se a um monstro marinho mítico, citado na Bíblia. Mas, no frontispício da primeira edição do livro, o Leviatã é representado como um gigante coroado. “O corpo da figura está formado por milhares de homenzinhos. Com a mão direita, o gigante segura uma espada (simbolizando o poder temporal) sobre um campo e uma cidade; na mão esquerda, ostenta uma cruz episcopal (símbolo do poder espiritual).”




Hellen G. White
2 - A Enganosa Versão Teísta da Organização
Desde o nascimento da potestade de seu leviatã, a organização adventista encarregou-se de fabricar os segredos do poder que exerce nas comunidades adventistas e a teoria que legitima sua autoridade religiosa. A fim de fabricar tais segredos, calou-se em quanto às ideias nas quais fundamenta as relações de poder, e, para ocultá-las ainda mais, elaborou uma enganosa versão teísta da organização.







Agostinho de Hipona

3 - O Mito do Modelo Divino de Organização
No capítulo anterior, vimos que o Manual da IASD, em sua versão teísta da organização, apresenta a forma de governo da IASD como uma imitação da ordem divina. De onde vem essa ideia de um modelo divino que a organização da sociedade deve imitar? Esse modelo divino é mito ou realidade? Neste capítulo pretendo responder a essas perguntas mediante a apresentação de uma síntese histórica sobre a relação que se estabelece entre o mundo “divino” e o mundo “real”...  



Max Weber

4 - Exame da Função Administrativa 
Aqui começa a tarefa de demonstrar que a forma de governo da IASD é um tipo original de burocracia representativa. A análise começa pela burocracia porque é a face oculta do leviatã adventista, e se concentra na função administrativa porque é o aspecto no qual a estrutura burocrática se torna evidente.







Rousseau
5 - Exame do Processo e do Comportamento Administrativos
Comprovado que a função administrativa na IASD tem as características de uma burocracia moderna, já podemos abordar a relação entre burocracia e representação política, agora tendo como foco o processo e o comportamento administrativos. E, assim, fica completa nossa análise da forma de governo da IASD, revelando que se trata de uma burocracia representativa.






O Leviatã moderno

6. Assim se Encontra a Organização Adventista Hoje 
Queremos saber como se encontra hoje a organização adventista, que é uma burocracia representativa, uma cópia do Leviatã — a imagem hobbiana da máquina estatal que exerce o poder soberano. Leviatã próprio que os adventistas criaram usando o modelo oferecido pela sociedade norte-americana.

PREFÁCIO E INTRODUÇÃO




PREFÁCIO

Cada vez é mais difícil —especialmente para os mais lúcidos— aceitar a forma de governo da Igreja Adventista do Sétimo Dia como ela é. Existem coisas cuja obscenidade é insuportável, como a politicagem, o fascínio do poder, o despotismo administrativo, a cobiça dos cargos e das vantagens pecuniárias, as quais criam um ambiente interno brutal. Para muitos adventistas do sétimo dia, especialmente para os funcionários subalternos (“obreiros”), a máquina da organização eclesiástica é uma fatalidade à qual devem se sujeitar.

Cresce o número de adventistas do sétimo dia que se mostram preocupados com a complexidade e o autoritarismo do controle administrativo. Porém, a maioria deles não sabe determinar com rigor qual é a causa desse fenômeno: sua visão do sistema é idealista, ingênua, periférica. Para resolver a questão, uma pequena parte pensa na necessidade de reduzir a quantidade exagerada de áreas de jurisdição, enquanto a maior parte imagina que a dominação é uma falha de alguns dirigentes. Visões desse tipo não atingem o âmago do problema. Pois, como constataremos neste estudo, a dominação é a essência do sistema.

Depois de trabalhar duas décadas como pastor compreendi que era tabu – aquilo sobre o que se faz silencio, por temor, por pudor ou por conveniência – investigar os segredos do poder e a teoria que legitima as autoridades religiosas da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Disso não se fala. Sim se fala dos assuntos sobre os quais estas autoridades têm difundido versões cuja tendência é preservar uma tradição oficial; tradição que, além de reivindicar uma origem divina, afirma que o mandato das autoridades religiosas adventistas se apóia em princípios bíblicos. Mas ao observar o comportamento dos dirigentes adventistas eu constatava que uma parte de seu poder ou de sua autoridade descansava em outros pilares.

Em 1985 resolvi rastrear e intentar elucidar os segredos que, segundo os indícios que encontrei em livros de Ellen White, foram fabricados a partir do momento chave do nascimento da potestade das instituições adventistas. Buscava uma explicação sobre o que se esconde atrás do silencio dos dirigentes adventistas sobre os pilares que dão sustentação a seu poder religioso. Queria saber como se constrói este poder ao qual eu estava submetido desde minha infância. 

Nesse ano ingressei no Mestrado em Ciências da Religião, no Centro de Pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo. A área de Religião e Ciências Sociais me oferecia o instrumental adequado para realizar um estudo sério nesse sentido. Em 1988 apresentei minha dissertação Governo Eclesiástico: A burocracia representativa da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

As páginas que seguem são uma adaptação desse trabalho. Para tornar sua leitura mais leve, procurei eliminar um pouco o caráter acadêmico de sua apresentação original. Suprimi as notas de rodapé e escolhi outro título geral. Acrescentei os capítulos "Apresentação do Monstro" e "O Mito do Modelo Divino", mudei os títulos dos capítulos e reescrevi parte do texto.


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INTRODUÇÃO

Existe uma diferença entre o que os adventistas do sétimo dia (de agora em diante designados “adventistas”) afirmam oficialmente ser a sua forma de governo eclesiástico e o que ela é de fato.

O livro de normas que regula as funções e os procedimentos institucionalizados da Igreja Adventista do Sétimo Dia (de agora em diante designada pela sigla IASD) —chamado Manual da IASD— afirma que a forma de governo é a representativa. Mas essa afirmação é parcialmente verdadeira, pois a observação da prática revela que a organização adventista, sem abandonar o sistema representativo, se aproxima cada vez mais de maneira deliberada do modelo burocrático. Daí que a análise do não dito pode ser tão importante quanto o dito, e pode levar-nos a entrar em contato com o lado oculto e sombrio dessa organização.

O referido manual, mediante uma versão teísta da organização, sugere que a forma de governo da IASD é de origem divina e se fundamenta em princípios bíblicos. Porém, é preciso reconhecer que burocracia e representação política são métodos modernos de administração, desenvolvidos no âmbito civil do Ocidente.

Este trabalho têm como propósito estudar a forma de governo da IASD tal como se mostra na realidade, isto é, os elementos que a integram, os fenômenos relacionados com esses elementos, a fim de defini-la melhor, explicar a verdadeira natureza de suas funções e procedimentos e verificar seus efeitos.

Manual da IASD declara que os adventistas recusaram as formas tradicionais de governo eclesiástico —monárquico, episcopal, presbiteriano sinodal e congregacional— e adotaram a forma representativa. Geralmente, essas formas tradicionais de governo eclesiástico são abordadas mediante um enfoque bíblico e histórico. Mas a adoção de métodos modernos de administração pela IASD torna insuficiente esse tipo de análise. Em nossa análise aqui, navegaremos entre as Ciências Sociais, as Ciências Políticas e a Teologia Bíblica.

A sociologia da religião (por exemplo, Roger Mehl, Tratado de Sociología del Protestantismo, Madrid, Studium, 1974) mostra que as igrejas cristãs se organizam de acordo com modelos oferecidos pela sociedade civil. Ou seja, elas têm a tendência de copiar as formas de governo e de chefia mais admiradas no mundo civil. Dou como exemplos disso a Igreja Católica Romana, que imitou a estrutura do Império Romano; os jesuítas e o Exército de Salvação, que copiaram a organização militar. Nos tempos contemporâneos, as igrejas cristãs adotam métodos e técnicas modernas de administração para alcançar seus objetivos. Experimentam um crescente processo de burocratização. Centralizam e profissionalizam a administração. Se aproximam cada vez mais das estruturas do Estado contemporâneo e das grandes corporações mercantilistas.

Meu objetivo aqui é mostrar o seguinte: 1) a forma de governo da IASD foi constituída usando o modelo de organização oferecido pela sociedade norte-americana —uma versão moderna do Leviatã—, porém mantendo certas particularidades; 2) é uma forma mista de governo eclesiástico, composta por burocracia e representação política.

A análise da forma de governo da IASD tem como procedimento o seguinte: num primeiro momento, se concentra no modelo real oferecido pela sociedade norte-americana, e no modelo imaginário com o qual a IASD procura justificar a sua forma de governo. Num segundo momento, focaliza a função administrativa a fim de descobrir as características que a identificam com a burocracia e, depois, focaliza o processo e o comportamento administrativos para encontrar a relação que existe entre burocracia e representação política. A intenção do último capítulo é convidar o leitor a abandonar algumas “evidências”, a desfazer-se de deslocamentos conceituais que geram confusões e equívocos. 

Apresento este estudo sem ter a preocupação de agradar ou desagradar a quem quer que seja. Porém, o realizei sabendo que, em certos momentos, era preciso ferir, de passagem, alguma forma de pensar, ou tomar a liberdade de desmentir outra, mas sem intenção polêmica.

O que me motivou a realizar este estudo é o seguinte: a organização da IASD é compreendida só quando é confrontada com seu modelo real, e quando é vista como uma questão política e social; aqueles que a enfrentam como sendo apenas um fenômeno religioso e a confrontam unicamente com o modelo imaginário difundido na versão oficial, jamais conseguirão entendê-la.

O título deste trabalho foi inspirado em Leviatã, obra clássica de Thomas Hobbes. Esse autor usa a imagem do Leviatã para apresentar, genialmente, a idéia do poder constitutivo da sociedade. As páginas que seguem partem dessa imagem para caracterizar a forma de governo da IASD.

Portanto, minha primeira tarefa tem que ser esta: explicar o que significa a imagem do Leviatã para Hobbes e justificar minha apropriação dessa imagem para caracterizar a organização da IASD.

Ir para: 1. Descrição do Monstro

1. DESCRIÇÃO DO MONSTRO


Thomas Hobbes

Antes de descrever o Leviatã, lembremos alguns dados biográficos do inventor dessa genial imagem do poder de Estado; poder capaz de coordenar e unir os homens em um corpo político, e que serviu de modelo para a IASD criar um poder eclesiástico a fim de coordenar e unir os membros em um corpo único.

Thomas Hobbes nasceu na cidade de Westport, Inglaterra, em 5 de abril de 1588. Aos quinze anos ingressou na Universidade de Oxford, onde se formou. Foi um dos mestres da filosofia política inglesa. Escreveu várias obras sobre questões políticas. Leviatã (1651) é a mais importante. Certamente sua obra-prima. 


Suas idéias políticas tornaram-se importantes para o pensamento ocidental. Sua filosofia, especialmente sua teoria a respeito da origem contratual do Estado, exerceu profunda influência no pensamento de Rousseau, Kant e dos enciclopedistas. Contribuiu para preparar, no plano ideológico, o advento da Revolução Francesa.

Ao conceber a política como uma ciência que precisa ser fundamentada em noções exatas, preparou o caminho para o surgimento das Ciências Políticas modernas. A terceira e a quarta parte de Leviatã, nas quais Hobbes examina, respectivamente, o que é Estado Cristão e o que é Reino das Trevas, revelam que ele é um homem religioso, profundo conhecedor da doutrina cristã e com uma visão muito à frente de seu tempo sobre o papel da Igreja na organização da sociedade.

DEFINIÇÃO DO MONSTRO



O leviatã mitológico, mistura de serpente e dragão

O título da maior obra de Hobbes reporta-se a um monstro marinho mítico, citado na Bíblia. Mas, no frontispício da primeira edição do livro, o Leviatã é representado como um gigante coroado. “O corpo da figura está formado por milhares de homenzinhos. Com a mão direita, o gigante segura uma espada (simbolizando o poder temporal) sobre um campo e uma cidade; na mão esquerda, ostenta uma cruz episcopal (símbolo do poder espiritual).”  Ou seja, o Leviatã tem duas formas de governo que exerce ao mesmo tempo: o governo do espírito e o governo da vida física. Note-se que o poder eclesiástico é uma das fontes da formidável força do gigante.