Desde o nascimento da potestade de seu leviatã, a organização adventista encarregou-se de fabricar os segredos do poder que exerce nas comunidades adventistas e a teoria que legitima sua autoridade religiosa. A fim de fabricar tais segredos, calou-se em quanto às ideias nas quais fundamenta as relações de poder, e, para ocultá-las ainda mais, elaborou uma enganosa versão teísta da organização.
Minha tarefa aqui é deixar descoberto aquilo que o leviatã adventista esconde atrás desse silêncio, e assinalar as deslocações conceituais, as vezes surpreendentes, de sua versão teísta da organização, a qual usa como instrumento para domesticar o pensamento, fabricar consensos e criar ilusões necessárias à gestão administrativa.
Para ser verdadeiro, o discurso das autoridades da IASD deveria ser este: “Sim, nos criamos uma máquina de dominação, que copiamos da máquina de dominação dos Estados Unidos da América (de agora em diante designado EUA). Ela garante a unidade global da IASD.” Mas, o discurso dessas autoridades é outro: apresentam a versão teísta da organização criada por Ellen G. White, que afirma que o modelo da organização da IASD encontra-se no “mundo divino”, e apresenta as autoridades eclesiásticas como as defensoras de “uma ordem e de leis mais elevadas que as terrestres”.
Se as autoridades da IASD se apresentassem de peito aberto, talvez tornassem os adventistas espíritos livres. Para estes, o poder eclesiástico não seria mais um escândalo ideológico. Seria única e francamente uma questão de organização, e se preocupariam mais no sentido de que o poder eclesiástico fosse exercido com menos detrimento de todos aqueles que são, por princípio, excluídos dele.
Mas, em se tratando de ocultar em que ideias se fundamentam as relações de poder nas organizações religiosas, até os "servos de Deus" devem mentir.
ORIGENS DA IASD
ORIGENS DA IASD
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| O defensor do apocalipse judaico |
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| A interpretação historicista do fim do mundo de Miller era o resultado de uma mistura desastrada de apocalipse judaico com apocalipse cristão. |
O movimento criado por Miller serviu de inspiração para a criação da IASD, a qual continua até hoje cometendo o principal erro metódico-hermenêutico desse fazendeiro: a tentativa de inserir o Novo Testamento, incluso o apocalipse cristão primitivo, no mundo das concepções da apocalíptica judaica, tomando como base o livro de Daniel.
Certamente, o Novo Testamento não é continuação histórica da apocalíptica judaica, dedicada à especulação com épocas e períodos que supõe estão determinados e permitem calcular a cronologia do mundo. O Novo Testamento se ocupa em testemunhar sobre a pessoa e o ensino de Jesus Cristo. E em nenhum lugar resume a sustância da obra de Cristo, por conseguinte a sustância do Evangelho, num sistema de especulação apocalíptica.
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| Tiago White e Ellen G. White |
Os primeiros passos na organização das congregações locais foi dado em 1861, em Michigan. A organização da administração geral aconteceu em 1863, e recebeu o nome de Associação Geral. Depois a máquina de governo da IASD se desenvolveu paulatinamente até atingir o ponto no qual se encontra na atualidade.
O fato da organização da IASD ter adotado o sistema representativo do tipo presidencialista (em vez de “bispos”, é dirigida por “presidentes”), escolher as autoridades eclesiásticas mediante eleições, ter um quadro de funcionários subalternos —os “secretários departamentais”— que, à semelhança dos ministros de Estado, auxiliam o presidente executando deveres oficiais específicos, já indica que é uma cópia do modelo oferecido pela sociedade norte-americana. (Sobre as doutrinas políticas e sociais norte-americanas, com as quais a IASD está em sintonia, ver Wright Mills, A Elite do Poder; Talcott Parsons, The Social System e o artigo “On de Concept of Political Power” in Politics and Social Structure).
Mas, o Manual da IASD ignora o modelo real oferecido pela sociedade norte-americana e, em sua versão teísta da organização, apresenta um modelo ideal, com o qual pretende passar a ideia de que a forma de governo da IASD caiu do céu.
Isso fica claro examinando as bases religiosas e metafísicas dessa versão teísta da organização, aparentada com a versão teísta de Rousseau. A diferença entre a versão teísta de Rousseau e a dos adventistas é a seguinte: Rousseau, que foi educado na Suíça por um pastor calvinista, encontra na Bíblia os princípios para formular uma nova estrutura política — a liberdade, a igualdade e a fraternidade. A liberdade expressa no Êxodo, a igualdade porque todos os homens e mulheres são “imagem de Deus”, e a fraternidade devido a que todos os seres humanos são “filhos de Deus”. Estes princípios, que Rousseau secularizou, eram defendidos na Europa pelo Iluminismo e pelos puritanos nas primeiras colonias que fundaram em solo norte-americano. Já a versão teísta dos adventistas fala de uma organização centralizada que deriva da ordem divina.
Vejamos como esta versão teísta da organização foi formulada.
OS FUNDAMENTOS CONFESSADOS
Vejamos como esta versão teísta da organização foi formulada.
OS FUNDAMENTOS CONFESSADOS
As considerações feitas a seguir são sobre os capítulos 1, “A Igreja do Deus Vivo”, e 3, ”Organização Fundada em Princípios Divinos”, do Manual da IASD. Estes dois capítulos fornecem os fundamentos bíblicos e extra-bíblicos da versão teísta da organização adventista. Um exame desses fundamentos revela o seguinte: no máximo duas páginas tem como fonte a Bíblia, contra aproximadamente sete páginas constituídas por citações de Ellen G. White.
Para muitos adventistas, citar a Bíblia ou Ellen G. White é quase a mesma coisa. E aqui encontra-se o ponto em que o proclamado biblicismo adventista se transforma em “whiteismo”. Disso, o Manual da IASD é um bom exemplo, pois a maioria de seus capítulos foram elaborados de acordo com os pontos de vista dessa autora. Nestas páginas, que abordam o assunto de forma mais científica, não é condizente colocar Ellen G. White em pé de igualdade com a Bíblia. O correto é classificá-la como fonte extra-bíblica.
Como os capítulos citados do Manual da IASD justificam a constituição do corpo social adventista e sua estrutura de administração?
OS FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O Manual da IASD não apresenta uma exegese séria dos textos bíblicos que menciona. Sua intenção é outra: amontoa textos bíblicos para formular um esquema racional teórico, que justifique e garanta o estabelecimento e a manutenção do poder eclesiástico. Esse esquema é o seguinte:
1) A Igreja é uma realidade inegável, pois a ela se refere explicitamente o Novo Testamento, mediante diferentes expressões (Atos 20:28; Efés. 4:12), dentre as quais a preferida é “a igreja do Deus vivo” (1 Tim. 3:15).
2) A palavra “igreja” é usada no Novo Testamento pelo menos em dois sentidos: em sentido universal (Mat. 16:18; 1 Cor. 12:28), e em sentido local (a igreja de uma cidade ou província — 1 Cor. 1:2; 16:1 e 19; 1 Tess. 1:1; At 15:41).
3) Cristo é a Cabeça da Igreja e seu Senhor vivente, e a Igreja é o corpo vivo e ativo de Cristo que ele organizou como quis (1 Cor. 12:18), concedendo, pelo Espírito, a seus membros individuais, diversidade de dons adequados às diferentes funções eclesiásticas (1 Cor. 12:4, 5, 12, 27 e 28). Os membros individuais, com seus diferentes dons e funções, são reunidos num só corpo tornando-se uns membros dos outros (Rom. 12:4 e 5). Aqueles que estão incumbidos de cargos de liderança devem ter pela Igreja o mesmo amor e dedicação que Cristo manifesta por ela.
Desses fundamentos bíblicos, o Manual da IASD (págs. 41 e 42) infere o seguinte:
“Assim como não pode haver um corpo humano vivo e ativo sem que seus membros estejam organicamente unidos e funcionem juntos sob um controle central, não pode haver uma Igreja viva que cresça e prospere sem que seus membros estejam organizados num corpo unido, e todos eles desempenhem os deveres e as funções confiadas por Deus, sob a direção de uma autoridade divinamente constituída.”
“Sem organização nenhuma instituição ou movimento pode prosperar. Uma nação sem governo organizado logo se transformaria em caos.Uma empresa comercial sem organização fracassaria. Assim ocorreria com a Igreja. Sem organização, desintegrar-se-ia e pereceria.”
“Para que se desenvolva saudavelmente e cumpra sua gloriosa missão, que consiste em proclamar o Evangelho de salvação a todo o mundo, Cristo deu à sua igreja um sistema simples mas eficaz de organização. O êxito de seus esforços para realizar essa missão depende de seu leal cumprimento desse plano divino.”
Note-se a semelhança destas inferências com as expressões usadas por Hobbes para apresentar o Leviatã. Pelo que já foi visto no capítulo anterior, fica claro que o Manual da IASD segue pelo caminho aberto por Hobbes, trilhado por Kant e os teórico do Iluminismo.
Porém, sua intenção parece não ser outra senão defender a organização num sentido genérico. Não tem nenhuma preocupação em justificar o que é de fato a forma de governo da IASD. E não poderia ser de outra maneira, pois burocracia e representação política são métodos administrativos impossíveis de se justificar pela Bíblia. O que o Manual da IASD faz é substituir a justificação da forma de governo eclesiástico pela racionalização teórica.
O método que usa é bem conhecido nos centros do poder, e que Jean-François Revel lembra em seu libro O Conhecimento Inútil nos seguintes termos: “os dirigentes e a imprensa do Estado enganam a sociedade; mas os governos não conduzem sua política segundo suas próprias mentiras. Eles estão diante de outros documentos”. É isso mesmo o que vemos nos dois capítulos mencionados do Manual da IASD. Os argumentos parecem estar fundados na Bíblia, mas os deslocamentos conceituais em relação a essa fonte indicam que os dirigentes seguem outros documentos.
ANÁLISE DOS FUNDAMENTOS BÍBLICOS
No trecho anteriormente citado do Manual da IASD aparecem duas características fundamentais do Leviatã: a unificação da multidão num corpo único e a centralização do poder. É claro, elas estão adaptadas à natureza religiosa da organização adventista. Vejamos os deslocamentos conceituais encontrados nos fundamentos bíblicos.
O mais surpreendente encontra-se na afirmação de que a expressão paulina “corpo de Cristo” conota uma organização centralizada. Nesse sentido, “corpo” não representa uma relação espiritual entre Cristo e os membros da Igreja em atividade, mas uma relação organizacional! E isto é inadmissível na teologia bíblica. Leonhard Goppelt, mostra o sentido teológico dessa expressão paulina:
“Sob ‘corpo’, o homem grego compreende a matéria formada. Paulo usa a expressão no sentido de organismo de membros em atividade. Em Rm 6.13 o vocábulo ‘membros’ aparece como sinônimo de ‘corpo’ (Rm 6.12). Baseado nesse conceito, Paulo não compara a Igreja simplesmente com um corpo no sentido corrente da época (1 Co 12.12-26), mas declara: ‘Vós sois corpo de Cristo: e individualmente, membros desse corpo’ (1 Co 12.27). Os discípulos são membros de Cristo (1 Co 12.4-6), sua boca e mãos auxiliadoras, e dessa forma, em conjunto, seu corpo. Pois através deles Cristo atua na História (1 Co 12.4-6). Os discípulos estão unidos entre si porque ELE é o único que atua através deles, e não através de uma associação de serviço que organizam. [Atenção para esta última frase]. Na pesquisa afirmou-se seguidas vezes que Paulo estivesse partindo do mito gnóstico sobre o homem primitivo. O pensamento de Paulo, porém, tem sua origem em sua compreensão da Ceia do Senhor, como mostra 1 Co 10.17 (cf § 40, II). Na Ceia, Cristo oferece seu próprio corpo, sua pessoa, tornando-se assim ativo no presente nos membros da Igreja. Dessa forma ele os transforma em seu soma [‘corpo’ em grego], ou seja, numa ‘pessoa global’, no organismo de membros atuantes, na Igreja como seu corpo.” (Teologia do Novo Testamento, Sinodal/Vozes, 1982, Vol. 2, pág. 412).
A seguintes palavras de Karl Ludwig Schmidt reforçam as de Goppelt:
“Mas, seja como for, uma coisa é clara: a Igreja como corpo de Cristo não é mera sociedade de homens. Partindo de pressupostos sociológicos não é possível compreender o que significa e quer significar a ‘assembleia de Deus em Cristo’. O ponto decisivo é a comunhão com Cristo.” ("Igreja", in Gerhard Kittel, editor, A Igreja no Novo Testamento, São Paulo, ASTE, 1965, pág. 29).
Enquanto Paulo pensa em “corpo” no sentido de “atividade” de Cristo através dos membros da Igreja no presente, O Manual da IASD pensa em “corpo” no sentido de “organização centralizada” — o corpo deve ter uma “cabeça” que centralize o comando dos “membros”.
Nos escritos paulinos, os termos “corpo” e “cabeça”, quando se referem respectivamente à Igreja e a Cristo, são conceitos teológicos. Não é possível que deles se faça derivar uma organização centralizada, a menos que se recorra ao expediente do deslocamento conceitual. Se é correto que Paulo entende “corpo” a partir da Ceia, então, segundo Manual da IASD, esse rito teria um significado que expressa uma organização centralizada. Do ponto de vista da teologia bíblica, isso é impossível de se admitir.
O significado do termo “cabeça” —referindo-se a Cristo—, segundo a própria intenção de Paulo, é o seguinte: Cristo é o único que governa a Igreja. Karl Barth o explica assim: a Igreja é “uma comunhão de pessoas e obras santas porque, fundada em Jesus Cristo, se deixa governar unicamente por Ele e quer viver unicamente cumprindo seu serviço de arauto...” Depois de afirmar que a Igreja tem como objeto e fim o Reino de Deus, acrescenta o seguinte:
"La Iglesia apostólica, o sea, la que oye y transmite el testimonio de los Apóstoles siempre tendrá un distintivo determinado, una nota ecclesiae, que es esta: Jesucristo no es sólo Aquel del cual procede la Iglesia sino que él es el que la gobierna. ¡El y unicamente él! En ninguna época y en ningún lugar es la Iglesia una instancia que se mantiene por si misma, sino que (y aquí sigue un principio importante com relación al gobierno de las iglesias) no puede ser regida fundamentalmente ni monárquica ni democraticamente. El único que rige es Jesucristo, y cualquier outro gobierno humano será siempre un mero exponente del gobierno proprio de Cristo. Mas Jesucristo gobierna en sua palabra mediante el Espíritu Santo, de manera que el gobierno eclelsiástico es idéntico a las Sagradas Escrituras, pues éstas dan testimonio de Cristo. Por consiguiente, la Iglesia se hallará de continuo ocupada con la exégesis y aplicación de las Escrituras. Si la Biblia se convierte en un libro muerto, com su cruz sobre la tapa, y cantos dorados, es que está dormitando el gobierno eclesiástico de Jesucristo; y la Iglesia dejando de ser, entonces, una, santa y universal, para dar lugar a la amenaza de que irrumpa en ella lo profano y disgregante." (Bosquejo de Dogmática, Buenos Aires, La Aurora & México, Casa Unida de Publicaciones, 1954, págs. 231 e 232).
Se os fundamentos bíblicos do Manual da IASD não são o resultado de exegese, o que são? Tudo indica tratar-se de uma formulação religiosa do tipo funcionalista. A análise funcionalista costuma determinar as funções dos diferentes organismos sociais a partir de uma comparação com as funções dos organismos vivos.
Mediante esta comparação, a análise funcionalista pretende obter dados empíricos que lhe permita explicar conceitos sociológicos tais como função, estrutura, integração, equilíbrio e valores. (A teoria funcionalista é explicada por William Skidmore, Pensamento Teórico em Sociologia, Rio de Janeiro, Zahar, 1976, págs. 105-117).
Mediante esta comparação, a análise funcionalista pretende obter dados empíricos que lhe permita explicar conceitos sociológicos tais como função, estrutura, integração, equilíbrio e valores. (A teoria funcionalista é explicada por William Skidmore, Pensamento Teórico em Sociologia, Rio de Janeiro, Zahar, 1976, págs. 105-117).
Os críticos do método funcionalista costumam argumentar que uma sociedade não é exatamente igual a um organismo vivo. Essa mesma objeção pode ser apresentada ao Manual da IASD: Igreja não é exatamente igual a um corpo humano. E podem ser acrescentadas outras objeções. A expressão “corpo de Cristo” nos escritos paulinos não é sinônimo de “corpo humano”. E também que essa expressão tem um significado teológico, o que é muito diferente de uma explicação funcionalista.
Mas não é apenas nisso que o Manual da IASD confunde a natureza das coisas. As confunde também quando compara Igreja com nação e empresa mercantilista. Existe uma enorme diferença entre a natureza da atividade da Igreja e a natureza da atividade de uma nação ou de uma empresa mercantilista. Essa comparação parece mais um reconhecimento velado da semelhança das estruturas da IASD com as estruturas hierárquicas e burocráticas do Estado e das grandes corporações mercantilistas. (Sobre a natureza da Igreja, ver Johannes Blauw, A Natureza Missionária da Igreja, São Paulo, ASTE, 1966).
Ao estabelecer as equações Igreja = corpo de Cristo e corpo de Cristo = organização centralizada, o Manual da IASD torna explícito que a unidade, a vida, o crescimento, a prosperidade e o êxito da Igreja dependem da organização centralizada. Ou seja, dá a entender que organização centralizada faz as vezes de Jesus Cristo!
Com a simples menção de textos bíblicos de cunho eclesiológico, o raciocínio do Manual da IASD passa por cima de questões decisivas, e suscita mais dificuldades do que resolve. Por exemplo, qual era realmente a forma de governo —se é que o tinha— da Igreja apostólica? Qual é o sentido e a função dos ministérios carismáticos? Qual é a relação entre esses ministérios e a organização centralizada? Qual é a relação entre unificação em Cristo e unificação mediante uma máquina administrativa? Quais são os princípios divinos que fundamentam a organização eclesiástica centralizada, o sistema representativo e o método burocrático? Questões de peso como essas precisam ser explicadas.
OS FUNDAMENTOS EXTRA-BÍBLICOS
Passemos ao exame dos fundamentos extra-bíblicos —as citações de Ellen G. White— contidos nos capítulos 1 e 3 do Manual da IASD, a fim de justificar a organização adventista.
Essas transcrições são mais numerosas e têm mais peso que os textos bíblicos. O motivo disto é que o princípio sola Bíblia significa para os adventistas a Bíblia só como a entende e explica Ellen G. White. E também porque a identidade denominacional dos adventistas foi criada e é mantida tomando como base as idéias dessa autora. Ela representa para os adventistas o mesmo que Martinho Lutero para os luteranos, João Calvino para os reformados e João Wesley para os metodistas.
Os adventistas acreditam que os escritos de Ellen G. White contém a “luz especial” que Deus deu aos pioneiros sobre a organização da IASD. No livro Vida e Ensinos (Casa Editora Brasileira, 1979, pág. 191) essa autora diz que a estrutura da IASD foi erigida por ordem de Deus e mediante “revelação especial”; tal estrutura se destina a corrigir males e propiciar o crescimento da causa adventista; não pode ser contestada, pelo contrário, deve ser firmemente estabelecida, robustecida e consolidada. Fora a inspiração transcendente, ela determina para a organização adventista a mesma função que o Leviatã tem na sociedade.
Uma rápida olhada nas páginas do Manual da IASD é suficiente para perceber que estão repletas de citações dessa autora, e que o pensamento dela fundamenta cada uma das normas prescritas nesse manual.
A primeira frase do capítulo 3 do Manual da IASD orienta as formulações que seguem: “A organização provém de Deus; tem base em princípios divinos”. Em outras palavras, trata-se de uma versão teísta da organização em sentido genérico.
Ali o raciocínio é o seguinte: “Em todas as obras de Deus através do Universo se manifestam sistema e ordem”. Desse sistema e ordem dá os seguintes exemplos:
- Os anjos, cujos movimentos se caraterizam pela ordem perfeita.
- O sistema estelar, que se movimenta em ordem perfeita.
- As plantas e animais demonstram ordem e sistema.
- Israel, ao qual Deus concedeu “um impressionante sistema de organização para governar-lhe o procedimento em assuntos civis como nos religiosos”.
- A Igreja do Novo Testamento demonstra perfeição em sua organização.
A conclusão do raciocínio é esta, nas palavras de Ellen G White: “A ordem é a lei do Céu, e deve ser a lei do povo de Deus na Terra”. Portanto, a Igreja deve ser “uma contínua representação de outra [realidade], mesmo do mundo eterno, de leis que são mais elevadas que as terrestres”. Ou seja, a Igreja deve refletir a ordem e o sistema divinos. Essa versão teísta aponta para o seguinte: a essência da ordem é divina. Em certo sentido, adota o conceito de poder transcendental das monarquias dos séculos XVII e XVIII.
Neste raciocínio se evidencia a influência do mito e do naturalismo. Segundo o pensamento mítico, a única verdadeira sabedoria vive longe da espécie humana, lá fora, na grande vastidão, e só pode ser atingida quando o entendimento se abre para tudo o que lá se esconde. Para o naturalismo, a sociedade deve pertencer à mesma ordem do mundo, da criação, pois o mundo e a sociedade são criação de Deus. Por isso, estuda a ordem do mundo em busca de uma revelação espiritual.
O escopo do raciocínio é sacralizar a organização em sentido genérico, e não justificar o que realmente é a organização adventista. Limita-se a declarar tais conceitos sem demonstrá-los. Aborda a questão de maneira ingênua, isenta de senso crítico. Não diz como é o sistema de ordem do Céu, nem quem foi lá para saber como é esse sistema. Não especifica como era a forma de governo do antigo Israel nem o da Igreja do Novo Testamento. E não mostra a relação que tudo isso tem com centralização, burocracia, hierarquia e representação política.
Neste raciocínio se evidencia a influência do mito e do naturalismo. Segundo o pensamento mítico, a única verdadeira sabedoria vive longe da espécie humana, lá fora, na grande vastidão, e só pode ser atingida quando o entendimento se abre para tudo o que lá se esconde. Para o naturalismo, a sociedade deve pertencer à mesma ordem do mundo, da criação, pois o mundo e a sociedade são criação de Deus. Por isso, estuda a ordem do mundo em busca de uma revelação espiritual.
O escopo do raciocínio é sacralizar a organização em sentido genérico, e não justificar o que realmente é a organização adventista. Limita-se a declarar tais conceitos sem demonstrá-los. Aborda a questão de maneira ingênua, isenta de senso crítico. Não diz como é o sistema de ordem do Céu, nem quem foi lá para saber como é esse sistema. Não especifica como era a forma de governo do antigo Israel nem o da Igreja do Novo Testamento. E não mostra a relação que tudo isso tem com centralização, burocracia, hierarquia e representação política.
Sobre a organização de Israel, o Manual da IASD limita-se a transcrever um trecho de Ellen G. White, no qual esta autora menciona a distribuição da chefia feita por Moisés. Não explica como uma organização tribal e a distribuição da chefia no âmbito militar podem servir de exemplo para uma organização eclesiástica moderna. Sabemos que o antigo Israel mudou várias vezes de forma de governo. No período pré-monárquico era uma confederação igualitária de tribos. (Amplamente estudada por Norman K. Gottwald em The Tribes of Yahweh. A sociology of the religion of liberated Israel, 1250-1050. B. C. E. Orbis Books, Maryknol, Nova York, 1979). Depois adotou o regime monárquico. E, no período pós-exílico, criou o sistema baseado no Sinédrio. Qual desses sistemas de ordem adotados por Israel está de acordo com o suposto modelo divino? Por quê?
Sabemos também que a Igreja apostólica, à qual se refere o Novo Testamento, tinha uma forma dualista: a judaico-cristã de Jerusalém e a gentílico-cristã das comunidades fundadas por Paulo; que estas duas formas tinham relação com o sistema da Sinagoga; e que, após a destruição de Jerusalém pelo romanos, sobreviveu apenas a forma gentílico-cristã. Ao fundarem a Igreja, os apóstolos a organizaram usando como modelo a Sinagoga, dirigida por um conselho de “anciãos”. E a Sinagoga, pelo menos a daquele tempo, não tem nada a ver com centralização, burocracia, hierarquia e representação política. Qual dessas versões serve como modelo, a judaico-cristã ou a gentílico-cristã? (Ver Jean-Louis Leuba, Institución y Acontecimiento, Salamanca, Sígueme, 1969, o capítulo V, “El dualismo eclesiástico”. Também Karl Barth, “La Iglesia, Congregación Viviente de Jesucristo, el Señor Viviente”, in ISEDET, Cuadernos Teológicos, Tomo XII, número 3, Julio/Septiembre de 1963, Buenos Aires, La Aurora, págs. 153 a 161. E Norberto Bertón, “La Estructura de la Congregación en el Nuevo Testamento”, in ISEDET, Idem, págs. 162 a 190).
Deslocamentos conceituais e omissões como os mencionados até aqui, não são exclusividade dos adventistas. São usados por outras igrejas para justificar suas respectivas organizações de dominação. A Igreja Católica, por exemplo, inventou o primado de Pedro e a sucessão apostólica para justificar sua organização, que é uma cópia da estrutura de dominação do Império Romano. Segundo 1 Cor. 3:11, a Igreja foi edificada sobre Jesus. Os apóstolos são o fundamento porque transmitem o testemunho primitivo a respeito de Jesus. Eles são o fundamento da Igreja e não base de uma sequência de dignatários eclesiásticos.
Compreendido dessa maneira correta, o dito de Mat. 16:18 que se acha inscrito na parte interna da cúpula da catedral de São Pedro, em Roma, refuta a pretensão do papado, pois ele designa a Pedro da rocha sobre a qual está fundada a Igreja, e não a sucessão episcopal romana. O dito afirma de Pedro o que foi atribuído a todos os apóstolos, conforme Efe. 2:20 e Apoc. 21:14. O Manual da IASD não age diferente da Igreja Católica. Comete um grave deslocamento conceitual quando deduz uma organização de dominação de textos bíblicos.
Parece estar claro que o escopo da versão teísta da organização adventista é ocultar o fato de que a estrutura da IASD tem relação com a estrutura da sociedade norte-americana, apresentando-a como tendo relação com a suposta “ordem divina” que, segundo afirma, se mostra na organização de Israel, da Igreja primitiva e no Universo.
De onde vem esses conceitos religiosos e metafísicos da versão teísta da organização apresentada pelo Manual da IASD? A resposta a esta questão é dada no capítulo seguinte.
Ir para: 3. O Mito do Modelo Divino




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